[Numa das minhas "rotinas" predilectas: café, cigarro e jornal, numa qualquer esplanada perdida por aí…]
Dois "infortúnios" marcaram este nobre "passatempo" – primeiro, um calor abrasador (que quase tornou insuportável o tal cigarro); e segundo, o facto de o Diário de Notícias se encontrar esgotado no momento em que me dirigi ao quiosque, perdendo assim, a possibilidade de "satisfazer" por breves instantes outro dos meus vícios – palavras cruzadas!
Açambarquei-me do Público e segui para uma mesinha recôndita. Por entre o folhear das várias páginas, uma notícia despertou a minha atenção, levando-me quase instintivamente a rabiscar meia dúzia de palavras numa folha à margem. O título era "Holanda proíbe sacrifícios religiosos de animais". Ao ler o breve texto, percebo que o projecto-lei em questão visava, particularmente, os rituais religiosos muçulmanos e judeus, deixando-se ainda em aberto a possibilidade de os mesmos se "reactivarem", caso se comprove "cientificamente que o animal sofre menos com a morte ritual do que com a morte num matadouro comum". Um pouco adiante, poderia ainda ler-se, "Actualmente, a UE obriga os animais a serem aturdidos antes de serem mortos, mas permite excepções para sacrifícios rituais, que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos já considerou um direito religioso".
Um "click" ressoou na minha cabeça de modo quase "automático", mantendo-se ainda, no tom de um daqueles "zumbidos" questionadores que persistem no modo de um peculiar silêncio gritante… Afinal, que formulação será essa de um «sofrimento cientificamente quantificável»?!? Só formulá-lo assim provoca-me calafrios… Não será "apenas" uma questão enviesada entre «a animalidade» e «a humanidade» (expressões que me provocam, talvez, ainda mais calafrios) mas a própria enunciação… O «sofrimento» jamais será quantificável, determinável, padronizável ou até mesmo conceptualizável, e é talvez essa a (im)possibilidade que se torna urgente (re)pensar…
[Não seguirei, aqui, por uma possível "reflexão" em torno da questão «do animal», questão que me levaria, provavelmente, a um "discurso" interminável… No entanto, não resisto a uma nota bibliográfica indispensável em torno deste “tema”, ou melhor, em torno do (re)pensar urgente deste tema – «L’animal que donc je suis» (Jacques Derrida, Galilée, 2006).]