domingo, 22 de janeiro de 2012

«Livro Sétimo (1984) – O Medo (2)»

"22 de Janeiro
dormi bem. de quando em quando consigo dormir bem. há um mês que deixei os soníferos.
quase não leio, deixei de ir ao cinema, não saio de casa. apesar de tudo não me sinto desesperado. mantenho-me neste estado vegetativo.
tento descobrir o caminho certo para o silêncio definitivo. sei que um dia deixarei de escrever, como deixei de pintar ou de amar. a escrita resume muito mal o que retemos da vida, quase nada, uns quanto sinais vertiginosos, umas quantas dores. O obsessivo vício das palavras conduz à desertificação do corpo e alma.
          necessito da travessia deste silêncio. é provável que seja o susto, quando pressinto as vozes nocturnas sussurrando dentro de mim. nenhuma delas me é familiar. se calhar, as vozes que ouço são as de alguma doença; cada um dos órgãos do corpo deve possuir uma voz para se lamentar, mas não estou certo disto.".

Al Berto. O Medo (Trabalho Poético 1974-1997). 4ª ed. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009. ISBN 978-972-37-1404-3. p.362.

1 comentário:

  1. 20 de Janeiro
    [ficções]

    De repente estás numa folha branca! Sozinha, sentes que estão vários mundos à tua volta mas não consegues, ainda, decifrá-los. Na verdade, não conseguirás decifrá-los nunca – eles irão retrair-se a cada momento que os tentares desvelar… No entanto, tentas ganhar forma. Ouves muitas vozes e queres dizer tantas, tantas, coisas… mas ainda não sabes como. És o silêncio que ainda ninguém leu e desejas, num desejo in-finito, tornar-te palavra(s).

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